Praia, sol e…muita ciência!


Sabe aquela história de largar tudo e ir montar uma pousada no Nordeste? Tem gente que anda largando tudo sim, porém é para fazer ciência. O Instituto Internacional de Física (IIF) é a segunda instituição de pesquisa a se instalar em Natal (o primeiro foi o Instituto Internacional de Neurociência), cidade que tem entre os principais atrativos o calor e beleza de suas praias. O grupo está completando um ano na capital potiguar e, em reunião do comitê científico no começo de abril, contou com a presença do prêmio Nobel de Física, David Gross (2004).

O IIF tem objetivos ousados de modificar a produção científica de Física no Brasil e até mundial. Para alcança-los, aposta na multidisciplinaridade e na internacionalização de seus pesquisadores para atuarem na pesquisa de “fronteira”. Além de David Gross, mais dois outros cientistas ganhadores de Nobel fazem parte do comitê científico internacional do Instituto (Gerardus `t Hooft – 1999 e Claude Cohen-Tannoudji – 1997). A entidade ainda arrebanha 25 nomes da pesquisa brasileira em Física dentro do seu comitê nacional de especialistas.

O grupo estava estabelecido há mais de 20 anos na Universidade de Brasília (UnB) e a transferência se deu após conflitos com a instituição. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) se prontificou a receber o núcleo, oferecendo todas condições para a transferência e instalação do Instituto na cidade. Cerca de 30 pessoas foram deslocadas e ainda esperam contar com mais quatro professores fixos com preferência para “jovens desde que talentosos” e cerca de 12 bolsistas de pesquisa de curta ou longa permanência vindos de diversas partes do mundo. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) é um dos financiadores da iniciativa.

O diretor do IIF, o físico pernambucano Álvaro Ferraz, nos recebeu para entrevista na sede provisória do Instituto localizada próximo ao campus da UFRN. Na conversa, o diretor fala sobre as motivações, receptividade e planos do núcleo, que ainda está em instalação. “Como se diz, mudamos de mala e cuia para Natal”, brincou. Além da chegada dos novos pesquisadores, uma das principais expectativas é a da construção do próprio prédio dentro do campus dentro de dois anos e a chegada de um super computador mais brevemente.

Internetcidade_O que pretende o Instituto de Física de Teórica de Natal?

Álvaro Ferraz_O nosso grande papel será de alavancar as novas áreas da Física, que chamamos de áreas de fronteira. Será um espaço aberto para os pesquisadores de todo o país, e de certo modo, do mundo, exercerem sua criatividade, fazerem seus trabalhos dentro de um ambiente de pesquisa inspirador e que facilite a elaboração de suas ideias. Ciência não é uma coisa burocrática, tem de procurar ser criativo e inovador. Um outro cuidado é que as pessoas não sejam perseguidas por serem inovadoras. O Instituto deve ser este espaço de produção.

IC_O que são essas áreas de fronteira?

Ferraz_São áreas novas que estão sendo alvos de grande avanços e cuja repercussão permeia para outras áreas da ciência. A Física atua quase como uma linguagem para outras ciências como a Química e a Biologia, onde os novos conceitos são utilizados largamente. Tem um amigo meu que diz que Física é tudo o que os físicos fazem…[sorri]

IC_Por que deixaram a Universidade de Brasília?

Ferraz: atraído pela UFRN, agora o Instituto busca atrair pesquisadores do mundo inteiro

Ferraz_Houve um impasse com a UnB a partir do processo de negociação com o Ministério da Ciência e Tecnologia para que houvesse uma dotação orçamentária. E se começou a questionar essa nossa independência, não oferecendo também as posições permanentes [de professores] que precisávamos. Com o impasse, o comitê internacional de pesquisadores do Instituto recomendou a nossa saída. O Ministério também  concordou com a mudança, ao mesmo tempo em que tivemos a aproximação com a UFRN. O reitor foi caloroso e receptivo e concordou com todas os nossos pleitos. A UFRN foi rápida e deu a resposta que queríamos ouvir.

IC_O comitê internacional é formado por cientistas de renome de várias partes do mundo. Além disso, a seleção para professores e pesquisadores é aberta para o mundo inteiro. O que tem atraído e motivado estes cientistas a se envolverem com o Instituto?

Ferraz_São vários fatores. O Brasil é um país que está na moda e temos também pessoas de muita credibilidade envolvidas neste processo. O local –a cidade de Natal– ajuda também, por ser ainda relativamente pequena, sem muitos problemas. Agora há pouco, falei com uma candidata de Madri, que se preocupava com as notícias de violência no país. Reforcei para ela que Natal não é uma Rio ou São Paulo. Um dos motivos de não termos optado por grandes cidades é que, em geral, estes institutos ficam melhores em locais menores, onde as pessoas não tenham tanta dificuldade de se viver e locomover. A cidade é portanto um aspecto de atração. Claro que Natal tende a crescer, mas esperamos que não seja tão brusco ou traumático como em outros lugares.

Projeto da futura sede do Instituto Internacional de Física: as dunas como inspiração

IC_E ficar perto da praia também ajuda a atrair?

Ferraz_Está ajudando também, por que não? [sorri]. O Instituto de Santa Barbara [Kavli Institute, de David Gross], por exemplo, fica na Califórnia (EUA), perto da praia. Ele foi construído por um edital e a universidade  da Califórnia foi a vencedora. A partir dele vários outros institutos foram criados [na Universidade]. Santa Barbara tem praias, é bonita, atraente, mas só que, modéstia à parte, não chega aos pés daqui porque lá é frio e a água é gelada. Não devemos nada em termos de belezas geográficas.

IC_A vinda do IFF teve alguma articulação com o Instituto de Neurociência, já instalado em Natal?

Ferraz_Não. Eu não conhecia Natal, embora conhecesse alguns colegas de departamento. Mas, de fato, a presença do Instituto de Neurociência aqui foi um atrativo para que o Comitê do antigo centro de Brasília apoiasse a mudança. Já cria esta cultura da internacionalização do saber, aberto, com todas essas pessoas internacionais circulando por aqui.

IC_O Instituto de Neurociência tem encontrado algumas resistências e críticas desde a sua instalação em Natal. O Instituto de Física sofre algo deste tipo?

Ferraz_Essas novas estruturas têm este papel, sofrem essas resistências e oposições muitas vezes infundadas e sem critérios. Há, sem dúvidas nenhuma, ciúmes localizados aqui e ali, mas são questões menores. No momento em que se vê o resultado, a projeção e a importância da produção, as resistências tendem a decair. Eu sou um eterno otimista. É um trabalho de médio e longo prazo, de persistência, e temos de estar com a cabeça bem animada. Há também um caráter pedagógico de mostrar a importância de se ter professores titulares ainda jovens, um caminho que o Instituto de Neurociência também tem tomado.  É assim que se tem ciência, pois ela tem de ser fundamentalmente original. E não se tem ciência original com 60 ou 70 anos de idade.

IC_Ao lado do Instituto de Neurociências, a presença do Instituto de Física abre possibilidade para Natal se tornar uma capital da ciência brasileira?

Ferraz_Creio que sim, a cidade tem tudo para crescer em outras áreas também. Por exemplo, a Universidade de Kyoto tem o Instituto de Física Teórica que foi criado a partir da doação de um físico ganhador de prêmio Nobel. Em seguida, foram criados por lá outros institutos de Matemática, Química etc, que convivem lado a lado com os departamentos da Universidade e estes têm suas atividades alavancadas pela presença desses institutos. Essa estrutura é fundamental, pois permite a interdisciplinaridade de pesquisa com mais facilidade.

Para o físico Álvaro Ferraz, seria irresponsabilidade dizer em quanto tempo o Brasil teria um prêmio Nobel em Física. Mas o fluxo de pesquisadores repercute localmente e cria novas raízes, além do que talento e entusiasmo não faltam ao Brasil. É só criar apoio necessário para vencer uma estrutura ainda tacanha do País. Daí, um Nobel será apenas uma consequência.

IC_Como o Instituto se insere no contexto da Física brasileira?

Ferraz_A resposta que a comunidade [científica] deu ao Instituto mostra que estamos maduros. É o momento ideal para se fazer algo desta natureza. Acho que há um interesse natural para se criar este Instituto, e de que as pessoas possam vir pra cá. Para mim, é um sinal de maturidade, de desenvolvimento, de vibração dos estudantes, principalmente aqui do Nordeste brasileiro, em se fazer estudos de Física Teórica.

IC_Qual a percepção quanto a isto, de se instalar na região Nordeste?

Ferraz_Há um entusiasmo enorme! Aqui no Nordeste há muita coisa represada, compartimentalizada, e de forma geral, a própria visão do CNPq quanto a isso ainda é muito restritiva. Estamos fazendo experiências novas, isto abre para muita coisa. E para a juventude é fundamental. Imagine um calouro da UFRN ter uma aula inaugural de um prêmio Nobel de Física… isto é muito bom! Nossa ideia é promover, sempre que possível, aulas públicas com as personalidades. Ciência também é cultura. Temos de investir nisto.

IC_E uma pergunta que precisa ser feita…quando teremos um prêmio Nobel, especialmente de Física?

Ferraz_Creio que estas coisas acontecem naturalmente. Se eu fizesse uma projeção de tempo, estaria sendo irresponsável. Com certeza, o que podemos fazer e vamos fazê-lo é criar as condições para que os talentos naturais se desenvolvam e frutifiquem. O que eles precisam é de apoio, pois não falta talento no Brasil. Temos uma estrutura muito tacanha ainda no país. Mas os melhores físicos vão passar por aqui e isto, certamente, repercute e cria raízes. Daí, é só deixar os talentos aparecerem. E quando aparecem, o prêmio Nobel será conseqüência, porque também é algo político. O Instituto potencializa tudo isto e, claro, esta é uma das nossas missões.

2 Respostas para “Praia, sol e…muita ciência!

  1. Essa noticia me deixa feliz, saber que não é so interesse por interesse mudar o patamar da ciência no Brasil, mas sim atrair verdadeiros valores daqui de dentro e os que estão la fora esperando por uma boa oportunidade.

  2. Sejam todos bem vindos para agregar, compartilhar e crescer juntos!

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